sábado, 31 de agosto de 2019

AVALIAÇÃO PROCESSUAL: POR QUE IR ALÉM DAS PROVAS

Confira dicas para transformar a avaliação em um instrumento de auxílio no processo de aprendizagem

avaliação processual – também conhecida como avaliação formativa ou contínua – vai além de uma série de perguntas reunidas em uma prova bimestral. Combinando diferentes instrumentos avaliativos para mensurar de forma mais assertiva diferentes aspectos do aprendizado, ela pode ser usada também como um diagnóstico da aprendizagem. A avaliação formativa ajuda a identificar se o aluno realmente está conseguindo aprender a partir do processo metodológico praticado e de base para feedbacks.

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É o que defende Alessandro Reina, professor de Filosofia do Centro Estadual de Educação Profissional de Curitiba (PR). Há cerca de três anos ele adotou metodologias ativas na sala de aula, que retiram do aluno a passividade na aprendizagem e os colocam como protagonistas do processo. “As metodologias ativas como ‘sala invertida’, ‘desenvolvimento de projetos’ ou de trabalho em equipes exige do aluno seu envolvimento total na resolução de problemas e na minha disciplina isso é fundamental, uma vez que o objetivo é educar para a liberdade de pensamento crítico e para formação cidadã”, afirma. A mudança na forma de ensinar, exige também uma forma de avaliar para que contemple todos os aspectos desse processo.

Com isso, a avaliação processual acaba sendo a mais adequada por permitir que as aprendizagens sejam avaliadas ao longo de todo o processo e não apenas ao final do bimestre. “A avaliação classificatória é excludente e mascara a aprendizagem, mas ela é reflexo das condições oferecidas pelo sistema educacional. Devido ao pouco tempo e excesso de atividades ao professor, às vezes, este tipo de avaliação acaba sendo a única opção viável dentro do que o sistema impõe”, observa Alessandro. O professor explica que para cada objetivo alcançado, o aluno recebe uma nota que não representa o quanto aprendeu, mas sim que alcançou aquele intuito. Quando, porém, esse objetivo não é alcançado, uma nova estratégia é traçada e um novo desafio é proposto aos estudantes, o que, segundo Alessandro, estimula a turma.

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Feedback para o aluno
Andreza de Abreu, professora e coordenadora de Alfabetização da unidade, a Escola Estadual Sócrates Brasileiro, em São Paulo, usa a avaliação processual para dar “devolutivas” para os alunos. Para a educadora, a avaliação processual é um processo do que se espera atingir ao longo de um determinado período. “Daí a importância da devolutiva: colocar o aluno no centro desse processo, permitir que ele tenha acesso, consciência, daquilo que ele sabe e do quanto ele sabe”, explica Andreza. “Quando a gente promove o feedback, estamos dando oportunidade para que o aluno resgate uma habilidade, uma competência que ele não conseguiu desenvolver ao longo daquele tempo”, reforça a professora.

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O professor Alessandro Reina aposta na ideia de que é preciso sempre alterar a metodologia e diversificar os instrumentos de avaliação. “Nem todos os alunos aprendem da mesma forma, isso é cientificamente comprovado. Alguns alunos são mais visuais; outros, mais interativos ou mais auditivos...”, comenta. Ele destaca que o desafio só pode ser contornado diversificando a metodologia e os processos avaliativos. Além disso, segundo Andreza, é uma forma do professor avaliar melhor o conhecimento da turma sobre os conteúdos e sair da subjetividade. Ela enfatiza que, quando o professor olha a avaliação processual, ele valoriza o saber do aluno. “Nós não estamos preocupados com a quantidade, um protocolo, com atender meramente as demandas ou cumprir cronogramas enviados pela secretaria, mas, sim, com a aprendizagem”.

Mudança de comportamento
A coordenadora pedagógica da Secretaria Municipal de Educação de Seabra, na Bahia, Janaina Oliveira Barros, diz que avaliação não é um tema que caminha só. "Precisamos entender que formamos pessoas e a avaliação precisa estar a serviço desse indivíduo". É comum que as provas tragam termos como "explique", "discorra" e "justifique", que, em geral, são focadas em o que ensinar e não em como isso é feito pelos professores. Nesse momento, é importante juntar as duas coisas (“o que” e “como”) e, a partir disso, o educador passa a ter informações que podem ajudar no seu planejamento."Para cada parte do processo de aprendizagem do aluno, o professor precisa ter uma estratégia para que o aluno chegue onde quer", explica Diane Clay Cundiff, diretora geral do Colégio Santa Maria, em São Paulo, que faz uso do modelo processual de avaliação. "É preciso ensinar e não mostrar ao aluno que ele não sabe", diz.Para oficializar as avaliações processuais no Ensino Fundamental, o Santa Maria levou a questão para o coração da escola: o projeto político-pedagógico (PPP). Com isso, a avaliação processual passou não só a ser uma prática, como também a guiar uma mudança na forma como os professores se organizam para ministrar as aulas. "Antes os planos eram feitos da seguinte forma: como o professor pretende [ensinar um tema]? E hoje o professor pensa: o que o aluno vai aprender? Quais os métodos que o aluno precisa para aprender?", conta Marcia Almirall, orientadora pedagógica do Colégio Santa Maria.No colégio, a mudança no método avaliativo foi feita seguindo muita organização. "Há muitas pessoas que esse método é muito subjetivo, mas na realidade segue uma lista de verificação muito séria, como as rubricas", diz a orientadora. As rubricas são usadas pelos professores para construir e mostrar critérios de avaliação mais transparentes. Podendo, inclusive, ser feita em conjunto com os alunos. 

Aqui temos um exemplo de rubrica.

Confira algumas dicas práticas
Para quem quer sair do modelo tradicional, vale a pena levar em conta alguns fatores:
1. Entenda a avaliação como uma ferramenta que auxilia o processo de aprendizagem e não apenas como um protocolo ou uma forma de punição.
2. Planeje a aula de forma que os alunos sejam capazes de ler, investigar, analisar e discutir o conteúdo da aula. Seja em Filosofia, História ou Matemática, o aluno precisa saber o que está estudando, o porquê e qual a sua finalidade, isso ressignifica a aprendizagem.
3. Faça da aula um espaço de participação e incentive o aluno a perder o medo de interagir.
4. Alterne a metodologia com aulas dialogadas, de trabalhos em equipes, com proposição de desafios e atividades que exijam criatividade e raciocínio.
5. Depois da avaliação, tabule as respostas dos alunos para criar um panorama dos saberes da turma.
6. Selecione uma questão que apresente maior número de respostas erradas e liste o que pode ter levado a turma a fazer tal escolha.
7. Organize uma aula para a devolutiva deste conteúdo ou questão.
8. Elabore uma sequência didática e verificação de aprendizagem do conteúdo.
CRÉDITO: Gestão Escolar

sexta-feira, 30 de agosto de 2019

CHEGA DE "AULINHAS" PARA OS PEQUENOS

Eles precisam de muito mais do que isso para se desenvolver, e a BNCC elenca seis direitos de aprendizagem que a escola precisa garantir. Mas como isso pode se traduzir no cotidiano?

Conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-se: quem observa esses seis verbos que aparecem em destaque na Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de Educação Infantil não se surpreende. Parece meio óbvio que tudo isso aconteça todos os dias nas creches e pré-escolas. Não é bem assim. “Escolhemos palavras muito diretas, mas isso não significa que essas ações já estejam sendo realizadas nas instituições”, afirma Zilma Ramos de Oliveira, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP) e uma das autoras das versões iniciais do documento, que passará a ser obrigatório a partir de 2020 (leia entrevista com ela no quadro ao fim da reportagem).
Os seis verbos são parte dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento definidos pela BNCC. Dentro das instituições, eles são princípios que devem nortear todas as práticas, junto aos Campos de Experiência e os objetivos de aprendizagem e desenvolvimento, também listados na BNCC. “Os direitos são o fermento do trabalho pedagógico na Educação Infantil”, afirma Zilma. Não quer dizer que essas ações não aconteçam - elas já são naturalmente feitas pelos pequenos, mas a Base orienta que elas sejam planejadas e estimuladas com o foco de proporcionar a aprendizagem.
De acordo com a pesquisadora Maria Malta Campos, da Fundação Carlos Chagas, em São Paulo, os direitos de aprendizagem “são coerentes com a concepção de uma criança ativa”. Tal definição já estava presente nas Diretrizes Nacionais Curriculares para a Educação Infantil (DCNEI).
Além dela, outro ponto trazido pelo documento, de 2009, também embasou a criação dos seis direitos: a proposição dos eixos Brincadeiras e Interações como estruturantes da prática do educador. “Essa concepção perpassa tudo. Ela se refere a um modo lúdico de encarar o mundo, e sempre na companhia do outro”, afirma Maria Virgínia, formadora de professores do Instituto Avisa Lá, na capital paulista. “Os direitos são um aprofundamento do que já estava definido e, basicamente, eles afirmam que é preciso superar o modelo de ‘aulinha’ na Educação Infantil”, completa.
Os direitos andam juntos

Parece uma situação simples: explorar a elaboração de uma receita. Mas a maneira como Camila Bon, professora do Colégio Marista de Brasília e mentora do Time de Autores de NOVA ESCOLA, organizou a proposta permitiu que as crianças da turma de 4 e 5 anos com quem ela trabalhou em 2018 tivessem diversos direitos de aprendizagem atendidos. A turma selecionou a receita, elaborou uma lista de compras, seguiu os passos definidos pelo texto, preparou o ambiente e recepcionou os colegas para consumir o alimento preparado. Nessa sequência de atividades, elas puderam participar ativamente e de maneira democrática na definição dos rumos do trabalho, conviver com colegas e adultos ao realizar atividades em grupo e em diversos espaços da instituição, explorar os ingredientes e os materiais que fizeram parte da atividade, e assim por diante.
O exemplo de Camila mostra como os direitos de aprendizagem surgem durante o processo pedagógico. Todos os dias, em todos os momentos, há oportunidades para que eles sejam contemplados. Mas, então, como planejar o trabalho?
Um bom começo é saber o que não fazer: reservar espaços na rotina para cada um deles. Isso porque a lógica das crianças faz com que eles venham à tona o tempo inteiro. Tendo isso em mente, é preciso conhecê-los bem para pensar em propostas que possibilitem que eles sejam exercidos, para além do senso comum.
“Os verbos são intuitivos, mas isso pode ser enganoso. É preciso revisitar o significado de cada um deles”, afirma Maria Virgínia (leia o quadro abaixo). “Precisamos ler o texto da BNCC e responder: que o que está descrito ali é cumprido, de fato, na escola?”, diz a especialista.
Na hora de criar as atividades, vale pensar em momentos que permitam a participação ativa de todos de acordo com suas possibilidades físicas e cognitivas e que não sejam direcionados demais pelos adultos. O olhar atento também é fundamental para analisar as interações e fazer intervenções que se baseiem nos interesses das crianças e que possam aprofundar a maneira como os direitos estão sendo cumpridos.
 “Ao mesmo tempo, planejamos mas também encaramos situações que não parecem tão centrais, mas são importantes. É em uma discussão entre as crianças, nos conflitos, nas decisões sobre os rumos das atividades que muitos direitos aparecem”, descreve Camila sobre o seu dia a dia.
Por fim, vale refletir constantemente sobre a prática, avaliando se o trabalho já feito foi ou não efetivo para garantir o cumprimento dos direitos. “Como ainda é algo novo, é sempre preciso planejar, aplicar e depois analisar o que aconteceu em sala”, conta Camila.
NADA OBVIOS
Os verbos que iniciam os direitos de aprendizagem são facilmente reconhecidos, mas o sentido dado a eles vai além do senso comum

CONVIVER
O QUE DIZ A BNCC: 
Conviver com outras crianças e adultos, em grupos, utilizando diferentes linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito à cultura e às diferenças.
VISÃO APROFUNDADA: Não basta que as crianças estejam fisicamente juntas. O trabalho deve permitir que elas interajam durante as atividades e solucionem problemas em conjunto.

BRINCARO QUE DIZ A BNCC: Brincar de diversas formas, em diferentes espaços e tempos, com diferentes parceiros (crianças e adultos), diversificando seu acesso a produções culturais, seus conhecimentos, sua imaginação, sua criatividade, suas experiências emocionais, corporais, sensoriais, expressivas, cognitivas, sociais e relacionais.
VISÃO APROFUNDADA: As crianças devem escolher com quem e como brincar. Ao professor, cabe propor espaços, tempos e materiais para o brincar, além de propor novas maneiras de brincar.

PARTICIPAR
O QUE DIZ A BNCC: 
Participar ativamente, com adultos e crianças, tanto do planejamento da gestão da escola e das atividades propostas quanto da realização das atividades cotidianas, como a escolha das brincadeiras, e ambientes, desenvolvendo linguagens e elaborando conhecimentos. 
VISÃO APROFUNDADA: 
Pode ser concretizado com assembleias, mas também com as crianças participando do planejamento: listando atividades favoritas ou propondo soluções para conflitos.

EXPLORARO QUE DIZ A BNCC: Explorar movimentos, gestos, sons, formas, texturas, cores, palavras, emoções, transformações, relacionamentos, histórias, objetos, elementos da natureza, na escola e fora dela, ampliando seus saberes sobre a cultura, em suas diversas modalidades: as artes, a escrita, a ciência e a tecnologia.
VISÃO APROFUNDADA: Explorar é natural para as crianças, mas a BNCC propõe buscar espaços além da sala de referência, separar materiais e instigar a curiosidade para outros assuntos.
EXPRESSAR-SEO QUE DIZ A BNCC: Expressar, como sujeito dialógico, criativo e sensível, suas necessidades, emoções, sentimentos, dúvidas, hipóteses, descobertas, opiniões, questionamentos, por meio de diferentes linguagens.
VISÃO APROFUNDADA: A criança deve ser estimulada a se colocar, de diferentes maneiras, de acordo com suas possibilidades: seja pelo uso da oralidade, da escrita, do desenho, da dança, da música.
CONHECER-SEO QUE DIZ A BNCC: Conhecer-se e construir sua identidade pessoal, social e cultural, constituindo uma imagem positiva de si e de seus grupos de pertencimento, nas diversas experiências de cuidados, interações, brincadeiras e linguagens vivenciadas na instituição escolar e em seu contexto familiar e comunitário.
VISÃO APROFUNDADA: O direito refere-se ao autoconhecimento em várias dimensões: sobre o próprio corpo, a sua família e a comunidade, a própria história e também seus interesses e gostos.

Fontes: Maria Virgínia Gastaldi, formadora do Instituto Avisa Lá, e documento Campos de Experiências: Efetivando Direitos e Aprendizagens na Educação Infantil
Trabalho em conjunto
O cumprimento dos direitos passa, em grande parte, pelo trabalho desenvolvido pelos educadores diretamente com as crianças, mas ele também demanda a cooperação de outras esferas: funcionários, pais, gestores e rede precisam estar alinhados sobre como esses direitos serão cumpridos dentro da realidade de cada município e de cada escola.
O ponto de partida é criar um consenso sobre a ideia de infância que embasa o trabalho na Educação Infantil: da administração pública até a equipe técnica da instituição precisam acreditar na importância de estimular crianças para que sejam ativas e autônomas.
Dentro da instituição, o documento Campos de Experiências: Efetivando Direitos e Aprendizagens na Educação Infantil (disponível em bit.ly/CamposdeExperiencia) indica algumas ações que diretores podem tomar, como garantir os recursos necessários para o trabalho e oferecer tempo para que eles possam ser respeitados.
Outro aspecto importante é garantir a formação em serviço a respeito do assunto. No Colégio Marista, Camila coordena um grupo de estudos sobre Educação Infantil. Nesse espaço, professores se encontram para fazer a leitura de textos e compartilhar suas práticas.
“Falamos sobre o que planejamos ou sobre o que executamos e pensamos sobre isso em conjunto. Há uma abertura para aceitar que não se trata só de críticas, mas de contribuições feitas pelos colegas”, conta.
Nas instituições públicas, a carga horária para esse momento é garantida pela Lei do Piso e é utilizada de diferentes maneiras de acordo com a rede. O importante, aqui, é que o coordenador pedagógico - responsável pelo desenvolvimento profissional da equipe - aborde os direitos nos encontros.
Na gestão da rede, diversos aspectos também precisarão ser enfrentados. “A partir da BNCC há um extenso trabalho a ser realizado: rever a infraestrutura física dos estabelecimentos, os materiais pedagógicos, a formação inicial e continuada dos profissionais, as rotinas e formas de arranjo dos espaços”, diz Maria Malta. Só com a articulação de todos os níveis, junto ao trabalho executado junto às turmas, é que esses direitos poderão ser respeitados.
Fotos: Gustavo Gomes

ENTREVISTA: Zilma Ramos de Oliveira
“Separar cuidar e educar só existe na lógica do adulto”
Professora da USP explica a BNCC para a Educação Infantil, que entrará em vigor para a etapa em 2020
NOVA ESCOLA Por que se optou por organizar a BNCC em direitos e campos de experiência?
ZILMA DE OLIVEIRA O Plano Nacional de Educação (PNE) previa essa organização. Buscamos, então, seguir a recomendação pensando em como garantir o direito a ser cumprido pela Educação: o de aprender. Chegamos a seis verbos, fáceis de reconhecer e memorizar, porque queremos que sejam internalizados pelos educadores.
NE Os direitos definem uma linha de trabalho?
ZO Não. Abordagens de diversas inspirações se enquadram dentro da proposta. Até porque a decisão sobre qual metodologia usar cabe aos professores e às escolas. Na BNCC, a única definição que propomos é de uma criança ativa. Ou seja, só não são admitidas propostas que impliquem uma criança calada, sem participação.
NE Os cuidados com higiene e alimentação não são tratados com tanta profundidade na BNCC. Qual o espaço nessa nova proposta?
ZO A ideia era não separar as dimensões de cuidar e educar porque essa separação é algo que existe apenas na lógica do adulto. Tanto nos direitos quanto nos campos de experiência e nos objetivos está a ideia de que ao ser cuidada, a criança aprende mais sobre si e aprende também o autocuidado.
Zilma Ramos de Oliveira, redatora das versões iniciais da BNCC.
CRÉDITO: Nova Escola

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

DÊ ATENÇÃO ESPECIAL AO PROFESSOR ALFABETIZADOR

Para que possa produzir mudanças, o educador precisa buscar novos conhecimentos e saber como aplicá-los em sala de aula

O professor alfabetizador é o profissional responsável por planejar e implementar ações pedagógicas que propiciem aos alunos o desenvolvimento das habilidades para ler e escrever com compreensão. É importante considerar que a alfabetização vai muito além da determinação de conteúdos a serem ensinados, e a sua complexidade exige que o docente conheça a estrutura e o funcionamento da língua. Sendo assim, é indispensável que ele esteja familiarizado com as características e as implicações das etapas do desenvolvimento de uma criança, as competências que os alunos deverão adquirir ao final de um ano letivo, os métodos de alfabetização existentes e as abordagens de avaliação da aprendizagem.
Para que possa produzir mudanças, o educador precisa buscar novos conhecimentos e saber como aplicá-los em sala de aula, contando com o auxílio da formação continuada. Alfabetizar é uma das maiores dificuldades dos professores e, por isso, o tema precisa ser trabalhado constantemente pelo coordenador pedagógico. Os conteúdos da formação são muitos, e a definição de quais assuntos priorizar e por onde começar deve favorecer a construção das competências necessárias para garantir a evolução dos alunos.
Portanto, o processo de formação precisa ser menos idealizado e mais próximo da realidade, levando em conta a experiência cotidiana e os saberes adquiridos na prática. Para que garanta a alfabetização, o docente precisa estar qualificado em relação ao domínio dos conceitos e teorias de aprendizagens no processo de construção da escrita, assim como às estratégias de leitura. Mas como ajudar os professores a construir tais competências?
Ao elaborar um plano de formação sobre alfabetização, destaco alguns conteúdos e ações essenciais que podem ajudar no processo:
- A concepção de alfabetização, os métodos de ensino e as teorias de aprendizagem;
- A construção da escrita: hipóteses de escrita e de leitura;
- A análise de adequação das situações didáticas de alfabetização com base no conhecimento dos alunos;
- A análise da produção escrita dos alunos, identificando o que ela revela sobre o conhecimento linguístico de cada um;
- A produção de instrumentos de avaliação da aprendizagem;
- A identificação das variáveis que interferem na assimilação do conteúdo;
- A formação de agrupamentos produtivos e o favorecimento da cooperação entre as crianças;
- A seleção de diferentes materiais apropriados para o trabalho pedagógico;
- A gestão adequada da sala de aula e a organização do espaço, especialmente quando há níveis heterogêneos de conhecimento em relação ao sistema de escrita;
Minha sugestão é olhar para a prática do professor, os materiais que ele produz, os conteúdos que trabalha e como organiza e planeja as atividades. É muito importante acompanhar a rotina de toda a equipe, fazendo observação de aula e analisando o caderno dos estudantes. Isso não deve ser feito para vigiá-los e fazer cobranças, mas sim como um trabalho de parceria e um diagnóstico para levantamento das necessidades de aprendizagem.
E vocês, como organizam a formação dos professores alfabetizadores? Compartilhem!
Abraços,
Eduarda
CRÉDITO: Gestão Escolar

quarta-feira, 28 de agosto de 2019

ALFABETIZAÇÃO: POR QUE FAZER AGRUPAMENTOS PRODUTIVOS?

Na fase em que começam a refletir sobre o sistema de escrita alfabética, as crianças devem ser organizadas em agrupamentos produtivos, para que aprendam na interação com os colegas.
Nas últimas semanas, tenho falado sobre a utilização das listas de palavras no processo de alfabetização das crianças (leia o texto aqui) e a importância de se fazer um diagnóstico das hipóteses de escrita (leia o post aqui) antes de planejar os trabalhos com agrupamentos produtivos.
Mas o que são e o que significam esses agrupamentos produtivos? No que eles podem ajudar a aprendizagem das crianças e o que devemos levar em conta na hora de fazê-los? São essas questões que vou ajudá-los a responder hoje.
Na minha escola, sempre levanto esse questionamento com os professores nas reuniões de formação. Converso com eles sobre o fato de que o agrupamento produtivo está a serviço da heterogeneidade da sala de aula – no caso da alfabetização, da diversidade da esfera cognitiva das crianças – e de que os pequenos aprendem na interação com os colegas.
Nos encontros, chegamos à conclusão de que, na fase em que as crianças começam a refletir sobre o sistema de escrita alfabética, o professor alfabetizador deve fazer agrupamentos de maneira planejada, intencional e criteriosa.
Portanto, para ser efetivo no planejamento desse trabalho, o docente deve:
• Conhecer seus alunos, ou seja, saber em qual hipótese de escrita cada aluno se encontra (daí a importância das sondagens);
• Conhecer as características pessoais das crianças (além de pensar nas hipóteses próximas, o relacionamento da dupla precisa ser positivo);
• Ter clareza do objetivo da atividade que será proposta à dupla (essa atividade precisa ser desafiadora);
• Intervir nas duplas quando necessário (significa lançar perguntas à dupla para que possam refletir e colocar em jogo tudo o que sabem para resolver o problema).
Abaixo, vou dar para vocês alguns exemplos de agrupamentos produtivos de acordo com as hipóteses de escrita que cada criança se encontra. Pela minha experiência, eles dão certo, porque permitem que todos avancem.
1- Aluno com escrita silábica sem valor sonoro convencional + aluno com escrita silábica com valor sonoro convencional
Lembro vocês que a criança que escreve silabicamente representa a pauta sonora por apenas uma letra. Se essa letra realmente existe na sílaba é considerada convencional. Se não existe, é não convencional.
Portanto, vejo que essa dupla é produtiva, pois a criança que escreve utilizando letras que correspondem ao valor sonoro convencional pode ajudar seu colega que ainda utiliza qualquer letra a pensar sobre o valor sonoro que é inato a cada símbolo.
2- Aluno com escrita silábica com valor sonoro convencional + aluno com escrita silábico-alfabética
Lembrando que a criança com escrita silábico-alfabética hora representa a sílaba com o número correto de letras, hora não. Exemplo: em vez de escrever BONECA, ela escreve BONCA.
Esta dupla é produtiva, pois a criança que escreve de forma silábico-alfabética vai ajudar o colega a compreender que, para se escrever uma sílaba, são necessárias duas letras, por exemplo.
Este é um tema que nós, coordenadores, devemos sempre retomar com os professores alfabetizadores, orientando a prática e acompanhando-os. Uma vez bem que os agrupamentos estejam bem planejados, eles se tornam ações muito significativas para que as crianças avancem em suas hipóteses de escrita. E, quanto antes compreenderem o sistema de escrita alfabética, melhor para o processo de alfabetização!
E vocês, coordenadores, discutem com seus professores sobre esse tema? Como vocês orientam o planejamento de agrupamentos produtivos?
CRÉDITO: Gestão Escolar

terça-feira, 27 de agosto de 2019

GÉRARD VERGNAUD: "TODOS PERDEM QUANDO A PESQUISA NÃO É COLOCADA EM PRÁTICA"

O pesquisador francês, uma referência na didática de Matemática, diz que só conhecendo a forma como os alunos aprendem é possível ensinar

No campo do ensino da Matemática, poucos nomes são tão respeitados quanto o de Gérard Vergnaud. Aos 75 anos de idade e depois de orientar mais de 80 teses de mestrado e doutorado, ele continua trabalhando como diretor emérito de estudos do Centro Nacional de Pesquisas Científicas (CNRS, na sigla em francês), em Paris. Formado em Psicologia, fez a própria tese de doutoramento com ninguém menos que Jean Piaget. "O título era A Resposta Instrumental como Resolução de Problemas. Pura teoria", lembra Vergnaud. De lá para cá, passou a se dedicar cada vez mais aos aspectos práticos - a didática da disciplina. Sua descoberta mais importante é a chamada Teoria dos Campos Conceituais, que ajuda a entender como as crianças constroem os conhecimentos matemáticos. "Infelizmente, na Educação, não temos o hábito de levar o resultado das pesquisas para dentro da sala de aula, como fazem regularmente médicos e outros cientistas, e isso é uma perda muito grande para nós", diz. Em outubro, ele vem a São Paulo a convite da Fundação Victor Civita para falar sobre seus estudos durante a Semana de Educação. Saiba mais por que é tão importante conhecer os processos de aprendizagem dos alunos na entrevista a seguir, concedida no fim de abril, quando Vergnaud esteve na capital gaúcha para prestar consultoria a professores locais.

O que é, resumidamente, a Teoria dos Campos Conceituais? 
GÉRARD VERGNAUD O resultado de muita pesquisa com estudantes, que nos leva a compreender como eles constroem conhecimentos matemáticos. Ela é fundamental para ensinar a disciplina, pois permite prever formas mais eficientes de trabalhar os conteúdos. Na minha palestra, quero mostrar a relação entre essa teoria e a prática escolar. 

É fácil fazer essa transposição para a sala de aula? 
VERGNAUD
 Nem sempre. Mas, se não levamos os resultados das pesquisas para a sala de aula, perdemos muito. Na maioria dos campos da Ciência, existe a percepção de que, se alguém cria uma teoria, isso é bom. Em Educação, essa idéia infelizmente não é tão difundida. Muitos resistem às descobertas por acreditar que basta repetir o que é feito há séculos. 

Como aumentar o interesse dos professores pelas pesquisas didáticas? 
VERGNAUD
 
É preciso entender que tudo é muito novo. Há 30 anos, ninguém estudava isso. Aos poucos, foram sendo feitos trabalhos para explicar como a criança aprende. Hoje, quando um pesquisador apresenta resultados que mudam conceitos amplamente difundidos, a primeira reação é de surpresa. Em seguida, alguns falam: "Ah, é interessante". Daí a mudar a prática de sala de aula, leva tempo. A Teoria dos Campos Conceituais está apenas começando a ser utilizada nos cursos de formação. 

Mas os ganhos para quem usa esse conhecimento são enormes. 
VERGNAUD
 Sem dúvida, porque o professor passa a compreender melhor o que faz em classe. No caso da Matemática, é muito claro que as crianças têm necessidade de assimilar aquilo que pedimos que elas façam. Por isso, temos de propor situações nas quais a soma faça sentido, a subtração faça sentido - e isso vale para a escolha dos dados, não só para as contas. E vale também para o professor. Se ele vê os alunos errar sem entender o percurso que estão trilhando, todo o trabalho se perde, não funciona. 

Como o professor consegue sair do estágio de "entender a teoria" para "usá-la na prática"? 
VERGNAUD
 
Só com muita formação. Aqueles que usam bem a Teoria dos Campos Conceituais no dia-a-dia são os que voltaram a ela, testaram coisas com seus alunos, cometeram erros, recomeçaram. Só assim é possível dominar o assunto e se sentir seguro na prática. 

"Se o professor vê os alunos errar sem entender o percurso que estão trilhando, o trabalho não funciona." 
Como os professores podem interferir nesse processo? 
VERGNAUD
 
Jean Piaget disse que o conhecimento é uma adaptação a situações nas quais é necessário fazer algo. Por isso, se não confrontamos as crianças com situações nas quais elas precisem desenvolver conceitos, ferramentas, limites, elas não têm razão para aprender. Isso vale para a escola, mas também para a vida, para a experiência profissional. Em Matemática, por exemplo, insistimos na chamada resolução de problemas - propor situações que as crianças não sabem resolver para fazer evoluir em seus conhecimentos. Portanto, queremos desestabilizá-las. E se desestabilizarmos demais? Elas também não vão aprender. Portanto, gerenciar o aprendizado é gerenciar ao mesmo tempo a desestabilização e a estabilização. Portanto, temos de pensar mais e propor situações corriqueiras aos que estão aprendendo. Sempre fizemos isso, às vezes de forma intuitiva. O que minha teoria propõe é que precisamos pensar de forma mais sistemática. O grande desafio do professor é ampliar as dificuldades para as crianças, mas sabendo o que está fazendo e aonde quer chegar. 

O senhor pode dar alguns exemplos de como as crianças constroem o conhecimento matemático? 
VERGNAUD
 Aos 5 anos, as crianças já compreendem alguns aspectos da adição. O primeiro modelo que elas aprendem é a reunião de duas partes em um todo: três meninos, quatro meninas, quantas crianças no total? Só mais tarde, porém, elas vão conseguir entender, por exemplo, como saber quantas meninas há no grupo se o total é sete e o número de meninos é três. Na minha pesquisa, descobri que, em média, são dois Anos para passar do primeiro estágio para o segundo. Dois Anos! Outro exemplo é a transformação que tem relação com o tempo, não com o espaço. Eu tinha 4 reais no bolso, minha avó chegou e me deu mais 3 reais. Ou: eu tinha 9 reais e agora tenho 4. O que aconteceu? Parece fácil, mas para uma criança não é. Outro caso: tenho 5 reais a mais do que você. Eu tenho 12, quanto você tem? E ainda há as transformações sucessivas. Ganhei quatro bolas de gude e depois perdi seis. Mais quatro, menos seis. Ah, perdi duas. Não é tão óbvio aos 8 ou 9 Anos. Vamos complicar um pouco mais. Joguei duas rodadas de bola de gude. Sei que perdi seis na segunda e que, no total, ganhei 15. O que aconteceu na primeira partida? Até os 13, 14 Anos, muitos jovens não conseguem achar o resultado. "Não consigo resolver o problema porque não sei quantas eu tinha no início", eles dizem. 

O que é possível fazer diante de situações desse tipo? 
VERGNAUD
 O que descobri é que há seis tipos de problemas ligados à adição e subtração. E é óbvio que, se os números forem grandes, ou decimais, tudo fica ainda mais complicado. No caso de frações, nem se fala. Na sala de aula, o professor até pode propor atividades, mas, se não souber como os alunos avançam, passo a passo, eles talvez compreendam o jogo proposto, porém não vão saber calcular. Para um adulto, o exercício de subtrair as bolas de gude que ganhou, para saber quantas tinha no início do jogo, pode parecer simples. Mas, aos 7, 8 ou 9 anos, não é nada fácil compreender esse conceito matemático. Mesmo com números pequenos, as crianças costumam ter muitas dificuldades. Se o professor sabe disso e dispõe de uma boa variedade de exercícios para propor, ótimo. Se ele fica numa única atividade, a garotada que não entende a própria proposta do trabalho perde o interesse e nem se preocupa mais em acertar. 

A Matemática é difícil de verdade? Por que tanta gente diz não gostar dessa disciplina? 
VERGNAUD
 
O problema é que a escola valoriza demais os símbolos e pouco a realidade. Os alunos não vêem utilidade naquilo e pensam: "Isso não me interessa. É abstrato e não serve para nada". 

O senhor já esteve no Brasil uma dezena de vezes. É possível comparar a situação daqui com a da França? 
VERGNAUD
 
Alguns problemas são semelhantes, ainda que no Brasil o tamanho da rede seja muito maior. A repetência e o analfabetismo, por exemplo, afetam uma proporção muito maior da população. Quando você observa a reprovação na França, no entanto, cai nas mesmas dificuldades daqui: a Língua e a Matemática. O paradoxo é que as crianças aprendem a falar sem dificuldades, mas não aprendem a ler e escrever sem problemas. Isso ocorre porque a função da escrita não é óbvia para as crianças, sobretudo se as famílias não têm o hábito de ler. Se os pais lêem o jornal todo dia, isso faz uma diferença enorme. E aqui há um abismo entre a França, cuja população é muito mais letrada, e o Brasil, onde milhões de alunos chegam à escola sem as noções básicas da estrutura e do funcionamento da língua. Percebo também que muitos professores brasileiros são obrigados a dar aula em mais de uma escola. Na França, as crianças passam o dia todo em classe. Aqui, é um turno só. E há a questão da formação, que também é pior aqui. Não podemos esperar grandes sucessos com professores que são mal formados, trabalham muito e, além de tudo, não são bem pagos na rede pública. 

"A questão é que a Educação é considerada custo, não investimento. São os homens que produzem coisas novas, não é o capital." 

O que é necessário mudar na dinâmica das escolas atuais? 
VERGNAUD
 
Muitas coisas. A Educação é um universo muito complexo e é preciso enxergá-la como um grande sistema. Se o ministro comete erros na definição das políticas, se não existem objetivos claros e se não há recursos adequados para a formação inicial e continuada, é ridículo responsabilizar o educador individualmente. A responsabilidade pelo fracasso é do sistema. A questão principal é que a Educação das crianças e a formação dos adultos são consideradas custo, e não investimento. São os homens que produzem coisas novas, não é o capital. Só que ainda não sabemos calcular que retorno a formação dá sobre esse investimento. 

Qual é o papel da formação docente nesse contexto? 
VERGNAUD
 
É primordial, ainda que seja necessário ter consciência de que não existem milagres, que ninguém vai conseguir eliminar todos os problemas de um dia para o outro. Mas, se podemos dar ao professor os meios de conhecer melhor seu trabalho, os limites de sua ação, os obstáculos que vão encontrar e as formas de controlar a evolução das turmas, é absurdo não fazer isso. Eu gosto de uma metáfora da aviação: se não tenho os instrumentos para pilotar, me falta algo essencial para atingir meus objetivos. 

Esses instrumentos, no campo da Educação, são a didática? 
VERGNAUD
 
Sim, a didática é a chave do conhecimento escolar hoje. Mas é mais do que isso. Precisamos compreender que existe a didática da Matemática, a da Física, a da História etc. E, dentro da didática da Matemática, a das estruturas aditivas não é a mesma das estruturas multiplicativas. E assim por diante. É essencial tomar consciência dessas especificidades dentro da especificidade de cada disciplina, pois elas têm seu papel. O fato novo dos últimos 30 Anos é dizer: "Prestem atenção nas didáticas da Matemática. A da Educação Física não é igual para o vôlei e o tênis, ainda que exista uma relação entre esses dois esportes". 

E se não fizermos isso? 
VERGNAUD
 
O preço a pagar será o fracasso escolar - ao menos para um grupo de estudantes. Alguns aprendem, mesmo se mal ensinados. Porém outros, mesmo se bem ensinados, fracassam quando o professor não domina a didática. Há quem considere isso um problema dos alunos. "Uns são inteligentes e se dão bem, outros não são e não conseguem." Mas o fato é que existe uma margem de manobra muito importante, um papel essencial a ser desempenhado, dentro da sala de aula, pelos professores. Esse avanço é lento, mas percebo que cada vez mais gente fala essa mesma língua.

CRÉDITO: Nova Escola