sexta-feira, 23 de agosto de 2019

COMO TRABALHAR PROBLEMAS MATEMÁTICOS NA ALFABETIZAÇÃO

Não podemos ficar presos aos modelos de problemas que tínhamos na década de 1970

Lá na década de 1970, quando fui alfabetizada, a resolução de problemas na Matemática funcionava mais ou menos assim:
Primeiro os professores apresentavam e propunham somente a resolução de problemas que envolviam a adição. Nem era preciso pensar muito para resolver, afinal já sabíamos que, naquele momento, todos os problemas eram parecidos. Fazíamos baterias de problemas com “continhas de mais”. Isso ilustra a ideia errônea de que esse treino repetitivo por si só leva à aprendizagem.
Eu resolvia, lá no 1º ano, muitas situações-problema como essa: “Eu tinha 5 laranjas. Ganhei mais 5, com quantas laranjas fiquei no total?”. Muitas vezes, as mudanças entre um e outro problema eram apenas o objeto que se ganhava: laranjas, balas, bolinhas, figurinhas, o que criava às vezes situações fora da realidade, que dificilmente aconteceriam no nosso dia a dia, como ganhar 8 melancias e comer 4. Uma evidência de que os problemas não eram tão bem formulados.
Depois dos problemas de adição, vinham os de subtração, quando então repetia-se o procedimento da repetição, só que agora com problemas que só envolviam essa operação. Após esses dois momentos, chegava-se então à etapa de se resolver problemas que envolviam as duas operações. Era o momento em que os alunos perguntavam: “Vai ser com conta de mais ou de menos, professora?”
A estratégia para resolução dos problemas também tinha que ser a indicada pela professora. Era a única solução aceita, assim como as operações que indicavam a resposta esperada, e muitas vezes era prevista somente uma única resposta possível para o problema.
Muitas coisas mudaram na Matemática desde então. Na resolução de problemas, as mudanças vão desde a concepção sobre o que é considerado um problema até as diferentes possibilidades e estratégias para resolvê-lo, além dos diferentes tipos de problemas que existem.
Hoje se sabe que o que leva à aprendizagem é alunos levantando suas hipóteses, propondo soluções, explorando possibilidades, confrontando as hipóteses com os resultados obtidos, explicando os caminhos e estratégias que indicam seu raciocínio, para finalmente validarem suas descobertas. Isso tudo, claro, com a intermediação do professor.
Apesar de toda essa transformação, o que se encontra em algumas salas de aula Brasil afora é a resolução de problemas do século passado. Precisamos desenvolver a aprendizagem matemática dos nossos alunos de maneira que faça sentido para suas vidas. Uma boa maneira de tornar essa aprendizagem mais significativa é repensar o ensino-aprendizagem da resolução de problemas em nossas aulas.
O que pode ser considerado um problema?
Segundo as especialistas Kátia Smole e Maria Ignez Diniz no livro “Cadernos do Mathema - Jogos de Matemática de 1º ao 5º ano”, “A perspectiva metodológica de resolução de problemas baseia-se na proposição e no enfrentamento de uma situação problema. Entendendo e ampliando o conceito de problema, que trata de situações que não possuem solução evidente e que exigem que o resolvedor combine seus conhecimentos e decida-se pela maneira de usá-los em busca da solução.
Nessa perspectiva metodológica:
  • Considera como problema toda situação que permita alguma problematização.
  • Pressupõe que enfrentar e resolver uma situação-problema não significa apenas compreender o que é exigido, a aplicação de técnicas ou fórmulas adequadas e a obtenção da resposta correta, mas, além disso, adotar uma atitude de investigação em relação àquilo que está em aberto, ao que foi proposto como obstáculo a ser enfrentado e até à própria resposta encontrada.
  • A resposta correta é tão importante quanto a ênfase a ser dada ao processo de resolução, permitindo o aparecimento de diferentes soluções, comparando-as entre si e pedindo que os resolvedores digam o que pensam sobre elas, expressem suas hipóteses  e verbalizem como chegaram à solução.
  • Caracteriza-se ainda por uma postura de inconformismo frente aos obstáculos e ao que foi estabelecido por outros, sendo um exercício contínuo de desenvolvimento do senso crítico e da criatividade.”
Às vezes, nós professores confundimos problemas com exercícios matemáticos, que dizem respeito ao aluno utilizar, consolidar e automatizar uma técnica, habilidades ou procedimentos.
Como trabalhar os problemas?
Eles não devem ser trabalhados em sala de forma compartimentada, como fazia-se antigamente: primeiro os que envolvem somente adição, depois os de subtração, etc., pois há relações diretas entre essas operações.
Segundo estudos do pesquisador francês Gérard Vergnaud, adição e subtração fazem parte de uma mesma “família”, de um mesmo campo conceitual chamado “campo aditivo”, que envolve as ideias de juntar, transformar, comparar, e não somente uma operação.
Também é necessário apresentar em sala de aula uma grande variedade de tipos de problemas, de forma a ampliar o repertório dos alunos e, assim, suas habilidades e estratégias de resolução. Há muitos problemas que podem ser explorados: de lógica, que simulam a realidade, não convencionais, com excesso de dados, com mais de uma resposta, entre outros. Isso sem falar nos problemas classificados por Vergnaud.
Quando as crianças ainda não leem com autonomia, costumamos propor a resolução de problemas mais simplificados, que não levam em conta toda essa diversidade que eu mostrei acima nem a necessidade de aprendizagem dos nossos alunos.
Precisamos refletir sobre todos esses pontos para que haja uma mudança positiva na Matemática da sala de aula. Que o nosso caminho seja o de aprender a aprender!
Um grande abraço e até semana que vem,
Mara Mansani
CRÉDITOS: Nova Escola