quinta-feira, 22 de agosto de 2019

"FORMAMOS PROFESSORES PARA QUE DEEM AULA E NÃO PARA QUE FAÇAM PARTE DE UM PROJETO MAIOR"

O filósofo colombiano Bernardo Toro aponta o cuidado como o novo paradigma da Educação

Bernardo Toro é um grandes pensadores contemporâneos da Educação. O filósofo colombiano definiu, nos anos 90, que existiam sete competências básicas que devem ser desenvolvidas na escola: dominar a língua, resolver problemas, analisar e interpretar fatos, compreender e atuar sobre uma realidade local, receber criticamente os meios de comunicação, localizar e selecionar informações, planejar e decidir em grupo. Com a globalização à pleno vapor e o desenvolvimento recente da internet, no final dos anos 1990, o filósofo criou a oitava competência: criar um aluno do mundo, ou seja, que o jovem possa agir no mundo.
Soou familiar? As habilidades defendidas pelo filósofo há cerca de 30 anos são contempladas nas 10 competências gerais estabelecidas pela Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e outras habilidades que aparecem dentro de cada componente como, por exemplo, as competências relacionadas com a Educação Midiática.
Recentemente, Bernardo Toro adicionou à lista o saber cuidar. Esta, mais do que apenas uma competência, seria o novo paradigma da Educação. Foi sobre isso que ele falou em sua palestra no evento Conexões da Educação, promovido pelo Instituto Península.
“Por que existe a Educação? O conhecimento não é natural ao ser humano, por isso nasce a Educação”, disse Toro logo no início da palestra. Ele explica que é necessário desmistificar a Educação como “algo sagrado” para haver mudança. “A Educação não é natural. É algo extremamente humano e por isso é tão difícil orientar, administrar, planejar e lhe dar sentido”, explica.  
Para o filósofo, o ensino depende da sociedade em que essa Educação foi construída. “A Educação brasileira é a que vocês definiram. Um país não tem mais Educação do que aquela que consegue definir”, determina. Por isso, Toro indica que o primeiro passo para mudar o sistema educacional seja entender o que foi definido.

Definição nacional

É preciso partir da suposição que o sistema educacional de um país é fruto de uma decisão nacional. “Não se trata de julgar se é bom ou ruim. O que se ensina no sistema é o que foi decidido, nada mais. Um dos grandes desafios é cuidar e entender esse sistema”, diz Bernardo Toro.
Esse movimento é o mesmo que acontece para a definição do currículo. “É a decisão de um país a respeito do que vai ser ensinado à próxima geração. É uma decisão da sociedade, não do sistema educacional”, explica.
Para isso, o primeiro passo é delimitar os conhecimentos mais importantes para o país e, a partir daí, selecionar o que vai ser ensinado. “Não apenas conhecimentos acadêmicos, mas quais narrativas, tradições, símbolos e habilidades se quer passar para a próxima geração. Sem essa seleção não há uma mudança”, afirma.
Para explicar o porquê dessa decisão partir da sociedade, Bernardo Toro lembra de um levante secundarista no Chile em 2006 – conhecido como a Revolução dos Pinguins –, em que questionou uma adolescente de 15 anos. “Eu perguntei: ‘O que você quer aprender?’. E ela me respondeu: ‘O senhor não pode me fazer esta pergunta. Nesta idade não sei que Educação eu preciso. São os adultos que têm que saber o que precisamos. O que posso lhe dizer é que o que nos estão ensinando não servem para nada’”.
Fazer essas escolhas é uma tarefa muito complexa e demorada. “Independentemente do [conteúdo] que o país selecione para o currículo, entendo que tem que ser orientado pelo paradigma do cuidado”, explica.

Novo paradigma da Educação

O palestrante defende que o maior problema do Brasil e do mundo é a mudança climática. “A desigualdade pode passar, a pobreza pode desaparecer, mas a mudança climática não é variante, mas determinante. Ninguém pode fugir”, diz. Por isso, insiste, ela precisaria se tornar o orientador das decisões da sociedade.
“Estamos passando a mensagem para nossas crianças de que o planeta está em perigo, mas se plantarmos árvores vamos resolver o problema. Precisamos plantar, mas isso não vai resolver”, afirma. Para o filósofo, a real mudança vai acontecer se adotarmos o paradigma do cuidado. “Não é uma opção. Ou aprendemos a cuidar [de nós, dos outros, do planeta] ou perecemos”.
O cuidado a que se refere tem diversos aspectos. Bernardo Toro reforça que a importância do cuidado começa por nós mesmos, o que engloba o cuidado também com o corpo e com o espírito.
Para exemplificar, ele conta o caso que observou em uma escola rural que conheceu na Tailândia. Lá, dos 6 aos 14 anos, três vezes na semana os alunos têm duas horas de meditação. “Eles aprendem a ouvir sua voz interior para que, quando cheguem aos 14 anos, possam decidir os votos que vão guiar suas vidas”, explica. Ter esse nível de consciência, defende ele, é o que produz a liberdade para decidir a própria vida e controlar os sentimentos. “Nossos sistemas educativos não têm metodologia para desenvolver a autorregulação, autoestima ou autoconhecimento. Sem isso, é muito difícil enfrentar a mudança climática”, complementa.

Mudar é demorado

O filósofo colombiano entende que essa mudança de percepção é um processo lento. “Mudar de um paradigma de acumulação, poder e sucesso para um de cuidado não é de um dia para o outro. As pessoas da minha geração, com mais de 60 anos, não vão acreditar na mudança climática por mais que a estudemos e vejamos seus efeitos”, diz. Toro explica ainda que mesmo que uma pessoa seja capaz de entender, não significa que vai mudar, apenas que ela entendeu. “As mudanças partem do grupo”, diz. “Não podemos educar ninguém além do conhecimento que entendemos. Ainda estamos tentando estruturar a narrativa coletiva do cuidado”.

Para chegar na sala de aula

O problema que o filósofo identifica na prática educacional vai além do professor. “Na América Latina, ainda não conseguimos transformar a Educação em estratégia. Formamos os professores para que deem aula e não para que façam parte de um projeto maior e orientem sua prática para um propósito”, explica.
Toro defende que a transição para o paradigma do cuidado precisa aparecer na vida cotidiana da escola, nos rituais e na comunicação. “A forma que a escola se desenha diz para a criança o que é importante e o que não é. É preciso explicar para as crianças o porquê de cada decisão”, aponta. 
CRÉDITO: Nova Escola