É importante aproveitar esse momento para pensar, coletivamente, sobre o desempenho dos estudantes e em estratégias para o ano seguinte.
O fim do ano é um momento delicado na vida de gestores, docentes e estudantes. Meu último texto discutiu a reprovação e, ano passado, escrevi sobre como organizar um conselho de classe produtivo. Mas ainda estou assustada por ouvir uma grande quantidade de comentários do tipo “está cada vez mais difícil reprovar um aluno”. Cada vez que me deparo com manifestações como essa, me pergunto: como são os conselhos de classe na escola em que esse professor leciona?
Em uma escola preocupada com o desenvolvimento dos alunos, não cabe esse comentário, mas sim outros: “está cada vez mais difícil garantir a aprendizagem de todos”, “está cada vez mais difícil garantir que os alunos não evadam”, “está cada vez mais difícil planejar aulas que possam contemplar as diferenças de todos os alunos”. A solução para o primeiro comentário pode ser fácil e rápido (criar mecanismos para que os professores reprovem os alunos com mais facilidade), mas está longe de resolver o problema da não aprendizagem. Se a instituição se pretende democrática, acredita na importância da avaliações formativas, e entende o trabalho coletivo como a única forma possível para enfrentar as dificuldades encontradas, o conselho de classe é um momento que precisa ser ressignificado.
Nessas reuniões, é preciso analisar o desenvolvimento de cada aluno individualmente e pensar – enquanto grupo de educadores – em estratégias e alternativas para endereçar as dificuldades que eles enfrentadas pelos estudantes. Pensando nisso, destaco abaixo três estratégias para possibilitar que esse objetivo seja alcançado, com base em experiências que vi ou que tenho aplicado nas escolas por onde passei.
1. Evite apenas "cantar" notas
A organização do conselho diz muito sobre como vai se configurar a discussão e que pontos têm mais relevância. Em encontros sobre Anos Finais, é comum que cada professor apresente suas avaliações no momento da discussão – o que chamamos de "cantar" as notas. Nesse formato, há pouco espaço para discussão, e os docentes apenas podem – ou devem – "mudar" os resultados de acordo com o que for discutido. Por isso, é comum que os profissionais sintam que suas considerações são pouco valorizadas e que o mais importante é que as avaliações sejam "parecidas". Além disso, ele deixa de tocar nas possíveis dificuldades de aprendizagem dos alunos e nos parâmetros que cada educador usa para avaliar. É apenas um acerto de números.
Por outro lado, se os professores entregam as avaliações antes e elas são organizadas e compartilhadas pela coordenação pedagógica, no momento do conselho, todos podem ver a avaliação total do aluno, perceber em quais disciplinas ele apresentou mais dificuldade e os participantes podem fazer análises e tirar conclusões. Também, o coordenador pode, vendo o quadro completo da turma, perceber quais as dificuldades num nível geral e pensar em possibilidades de enfrentamento delas. A avaliação do professor é sempre respeitada, mas os gestores podem fazer os questionamentos necessários para compreender porque o aluno ou turma teve determinada avaliação.
Assim, o tempo que antes era utilizado para compartilhar as notas, torna-se um espaço para pensar em soluções – e a reprovação é apenas uma de muitas possibilidades. Nesse exercício, muitos professores descobrem informações sobre os alunos que não saberiam olhando apenas suas notas e podem rever sua própria prática (seja no formato de suas aulas ou na forma como avaliam os estudantes).
2. Garanta que as discussões sejam coletivas
Nos Anos Iniciais, é comum que os conselhos sejam feitos apenas entre coordenador pedagógico e professor regente. Isso passa a ideia errada de que esse educador tem de dar conta sozinho da sua turma. Na nossa escola, temos o Conselho Coletivo no final do ano, quando todos os professores de 1º ao 5º ano se reúnem para discutir possibilidades para os estudantes que seriam possíveis reprovados. Neste conselho, discute-se, além do desempenho do aluno, o que a escola fez como um coletivo para ajudar no desenvolvimento dele e no trabalho do professor responsável por ele. Será que eles estiveram sozinhos durante todo o período? O professor precisa saber que ele nunca deveria se sentir abandonado, e que, acompanhar o desenvolvimento da turma é função do coordenador e deve ser compromisso dos outros professores.
No primeiro conselho coletivo que participei, no momento de justificar a opção por concordar ou discordar da reprovação de um determinado aluno, eu ouvia o seguinte comentário: “Se a fulana que é professora dele acha que ele deve reprovar, então eu também acho, porque ela deve saber melhor do que eu.” Hoje, depois de alguns anos dessa prática posso ouvir outros comentários que qualificam muito a nossa avaliação. Coisas como:
- “Eu fui professora dele no ano passado e percebi que ele teve uma evolução muito boa neste ano.”
-“Eu vou receber ele no próximo ano e já tive uma experiência parecida com outro aluno, sendo que as ações coletivas que colocamos em prática com este outro, poderiam fazer a diferença para ele.”
-“Eu trabalho com ele desde há três anos na Educação Física e percebi que neste ano ele esteve muito mais participativo nas aulas e entusiasmado com suas conquistas. Antes ele era apático e nada fazia com que ele se interessasse.”
-“Acompanho a trajetória dele desde o F4 e não estou percebendo nenhum avanço no seu desenvolvimento. Em muitos aspectos parece que ele ainda tem 4 anos. Penso que precisamos rever toda a abordagem que estamos tendo em relação a ele, porque não vejo que está dando certo.”
3. Inclua pais e alunos na discussão
Em algumas escolas, existem os chamados “conselhos participativos”, onde a presença dos alunos e dos pais é estimulada. Creio que pode ser um momento muito valioso de avaliação e discussão, principalmente quando a escola não conta com outros espaços democráticos. Por outro lado, me permito ser um pouco cética: qual a participação que eles de fato podem possuir? Quanto poder de decisão tem esse conselho participativo? É importante que pais e estudantes possam participar também na reflexão e na tomada de decisão sobre o destino desse aluno. Uma possibilidade é, apresentar as avaliações do corpo docente e mais de uma recomendação de como esse caso poderia ser encaminhado. Em algumas escolas, são comuns os casos de gestores, estudantes e famílias que decidem, juntos, reter um estudante para que ele se adapte melhor ou amadureça mais e consiga acompanhar o novo grupo com o qual estará. Também é possível que eles optem pela não reprovação e que todos façam combinados sobre o que seria possível fazer no ano seguinte para que o aproveitamento seja melhor.
A ressignificação dos processos dos conselhos de classe faz parte de uma das ações na busca de uma escola democrática, plural e inclusiva. Não pretendo esgotar o tema, mas colocar alguns pontos importantes em discussão. Quem sabe, você pode também contribuir?
Forte abraço, Joice Lamb.
CRÉDITOS: Gestão Escolar