sábado, 7 de janeiro de 2017

HORA DE REPENSAR A ESCOLA

faz sentido ainda usarmos um modelo de ensino concebido há dois séculos? inovações colocadas em prática por instituições de vários países trazem novas perspectivas para reformular as salas de aula
 
Antes das primeiras escolas, crianças e adultos conviviam todo o tempo. Os ofícios eram passados de pai para filho. O ferreiro ensinava o filho a forjar, a tecelã ensinava a filha a tecer. Esse modelo não diferenciava muito a infância e trazia no seu âmago a desigualdade.
Como fazer se o filho do camponês quisesse ser ferreiro? A sociedade era rígida em sua divisão.
Por volta do ano 4000 a.C., os sumérios ensinavam, em casa, seus filhos a escrever, segundo alguns registros.
Depois disso, a história conta que Platão, em Atenas, nos jardins de Academo, de onde surge o termo “academia”, ensinava seus discípulos numa espécie de escola, onde, por meio de questionamentos, se estudavam matemática e filosofia. A palavra “escola” vem do grego scholé e significa “lugar do ócio”. Essa era a ideia dessas primeiras escolas. Eram lugares aonde as pessoas iam, no seu tempo livre, para discutir e aprender. Surgiram na sequência os preceptores, contratados por famílias ricas da Grécia para ensinar seus filhos. Assim foi Aristóteles com Alexandre, o Grande.
No livro A universidade das crianças (Planeta do Brasil, 2005), Ulrich Janben explica que não se sabe ao certo por que e como as exigências com relação à escolaridade mudaram. “Surgiram invenções que transformaram os rumos da história, como a tipografia, o tear mecânico ou a estrada de ferro. E surgiram profissões novíssimas. Pequenos negócios de artesanato transformaram-se em fábricas, os homens precisavam ter mais mobilidade”, reflete.
No século 18, período da Revolução Industrial e da Revolução Francesa, houve a popularização da demanda por educação. Foi quando surgiu
a escola pública, com o claro objetivo de aumentar a produtividade e disseminar a pacificação da sociedade. Uma escola para todos, voltada para formar indivíduos que trabalhassem na indústria. O layout remete ao atual: alunos sentados em carteiras enfileiradas; à frente, o professor, protagonista das aulas e detentor do “saber”. Esse formato atendia à necessidade do momento e criava oportunidades para que todos aprendessem. Nessa época, a humilhação dos alunos na frente dos colegas e os castigos físicos eram considerados estratégias normais para manter a disciplina. Em 1924, na Inglaterra, o pedagogo Alexander Neill inovou ao criar a escola Summerhill. Flexível na hierarquia professor-aluno, foi a primeira instituição a trabalhar com a ideia de que a escolha dos conteúdos pelo professor deveria levar em conta os interesses prévios dos estudantes.
Hoje, encontramos uma gama de escolas que vão do ensino tradicional, com exigência extrema, visando resultados, a escolas com propostas muito alternativas. As linhas teóricas e os métodos de aprendizagem trabalhados nas faculdades de pedagogia embasam a prática educacional na atualidade.
Algumas frentes contrárias questionam essa ou aquela prática, mas, basicamente, tanto a formação como a prática do professor estão baseadas nos teóricos conhecidos dos pedagogos, como Jean Piaget, Lev Vygotsky e Henri Wallon, apenas para citar alguns.
DEMANDAS DO SÉCULO 21
Faz sentido ainda usarmos um modelo de escola concebido há dois séculos? Encontramos em escolas pelo mundo salas de aula com disposição alternativa de mesas e cadeiras, espaços com computadores e lugares para trabalho individual e coletivo. Layouts diferentes são cada vez mais comuns. No entanto, as mudanças demandadas pela educação não se resumem à infraestrutura nem à incorporação de novas tecnologias em sala. Envolvem inovação de estratégias.
Alguns exemplos de escolas que propõem mudanças de paradigmas começam a aparecer. A ideia de “aprender a aprender”, em que independência e autonomia de aprendizagem são mais importantes do que o conteúdo, aparece, por exemplo, no “Projeto Independente” da Monument Mountain Regional High School, em Massachusetts, e na Escola da Ponte, em Portugal. Ambas trabalham com processos coletivos de aprendizagem.
Outras escolas apostam nos jogos como estratégias de aprendizado, como a Quest to Learn, em Nova York, que usa games para ensinar conteúdos. Na Índia, a Riverside School, baseada na metodologia do Design for Change, criada pela indiana Kiran Sethi, nos remete ao ideal de educação grega: as crianças são direcionadas a identificar e a debater um problema de sua comunidade; por fim, elaboram um design para colocar em prática a solução apontada como mais promissora.
Os alunos são convidados a refletir sobre o próprio aprendizado, os desafios que superaram ou não e a compartilhar a experiência com colegas.
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“Eu queria criar uma escola em que as crianças entrassem dizendo ‘Eu amo vir aqui’”, diz o fundador da Ron Clark Academy, uma escola na Geórgia que trabalha com o conceito de “mídia-educador” – o professor deve se apropriar dos recursos presentes na vida dos jovens, como tecnologia e as mais variadas artes, e incorporá-los às aulas. Propostas que envolvem tecnologia com ambientes virtuais de aprendizagem, videoaulas, sala de aula invertida e ensino híbrido, entre outras, aliás, estão cada vez mais presentes na rotina do estudante deste século. Por isso, iniciativas como as da empresa Geekie e da Khan Academy fazem sucesso entre educadores e alunos (veja galeria de imagens acima).
NEUROCIÊNCIA E DESCONFIANÇA
Mas o que a neurociência tem a dizer sobre tudo isso? Apenas no final do século 20 começamos a entender melhor como o cérebro funciona e os processos envolvidos na absorção de novas informações.
Alguns estudos da neurociência corroboram os conceitos dos já mencionados Piaget, Vygotsky, Wallon e outros pensadores que influenciaram a pedagogia e dos quais nunca devemos abrir mão – achados neurocientíficos reforçam muito do que eles escreveram e pensavam. Em contrapartida, a ciência também tem sido útil para desvalidar algumas práticas. Dois exemplos comuns: a pressão excessiva do professor por resultados e o clima de estresse constante. Sabemos que, exposto ao estresse diário, o córtex pré-frontal – área relacionada, entre outras funções, ao planejamento e à tomada de decisões – pode “paralisar”, levando o aluno à confusão mental e não raro ao pânico – o famoso “branco” na hora de uma prova.

A educação tem recebido as novidades neurocientíficas com curiosidade e receio. Poucas faculdades de educação colocam em seu currículo aulas de neurociência, embora todos saibam que o cérebro é o “motor” da aprendizagem. Continuamos agindo na educação como um mecânico que trabalha com o carro e ignora o que acontece com o motor – muitas vezes não sabe nada sobre os mecanismos básicos dessa peça… Algumas escolas e professores interessados estão começando a buscar formação nessa área. Entre os formadores, porém, raros são pedagogos – a maioria ainda pertence à área de biológicas. É fato a dificuldade de estabelecer um diálogo com os educadores, entender o que buscam saber e transmitir informações úteis em uma linguagem compreensível.
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Outros formadores são meros curiosos no assunto, que aglutinam hipóteses e saberes e os vendem como uma nova tendência educacional.
Muitas vezes prestam um desserviço à educação. Algumas boas iniciativas, porém, têm contribuído para melhorar as práticas na sala de aula. No Brasil, a Escola Inédita, em São Paulo, criou um curso de neurociência para profi ssionais da educação, ministrado por cientistas.
Numa linha parecida, o projeto Neuroeduca, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), oferece curso de extensão em neurociência para professores e gestores. Instituições de ensino já dispõem de cursos de pós-graduação em neurociência aplicada à educação, como a Santa Casa de São Paulo e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Mas vale ressaltar que ainda existem professores e editoras comprando gato por lebre nessa área, e, nesse caso, todo critério é pouco.
AVALIAR X APRENDER
Como a neurociência pode beneficiar a escola com suas mais recentes descobertas, na prática? Ela já se revela uma auxiliar na revisão do objetivo da avaliação nas escolas, por exemplo. A avaliação é usada, na maioria das escolas, como fim, para rotular alunos de bom e mau desempenho, uma forma de divisão. Todo professor sabe, na teoria, que a avaliação deveria servir para retomada de conteúdo, um recurso para detectar o que o aluno aprendeu e, assim, poder retrabalhar alguns conteúdos.
Mas não é isso que acontece no dia a dia. O aluno estuda na véspera, com a intenção clara de realizar a prova.
A informação é guardada na memória de curta duração e descartada logo depois de utilizada. Enquanto muitos acreditam que o estudo para a prova faz com que os alunos registrem aquele conteúdo na memória de longa duração, a neurociência diz que ele a esquecerá brevemente – a menos que o aluno perceba que essa informação será relevante em algum contexto, não irá armazená-la. Daí a importância de rever estratégias para resgatar e aplicar a informação adquirida.
O aprendizado é gerido pela recompensa – deve haver motivo para aprender. De acordo com o psicólogo cognitivo Daniel T. Willingham, autor do livro Por que os alunos não gostam da escola? (Artmed, 2011), gostamos de pensar quando acreditamos que a atividade mental oferecerá em troca a sensação agradável que surge com a solução de um problema. Portanto, não há problema em afi rmar que as pessoas evitam pensar nem em afi rmar que as pessoas são naturalmente curiosas – a curiosidade induz a explorar novas ideias e problemas, mas, quando o fazemos, rapidamente avaliamos quanto esforço mental será necessário para chegarmos a alguma conclusão. “Se o esforço for demasiado ou mínimo, nós abandonaremos o problema caso possamos”, afirma.
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Outro aspecto a ser considerado na escola é o tempo. Fixar, refl etir, resolver problemas e, principalmente, criar com base no que foi aprendido envolve tempo. Nesse caso, menos é mais. O novo conceito ou competência têm de ser compreendidos e normalmente relacionados com um conhecimento ou experiência anteriores. A informação tem de ser então praticada ou manipulada e utilizada ou aplicada inúmeras vezes antes de fi car impressa na memória de longa duração.
Na sala de aula, nos encontramos num momento de mudança e dúvida. Algumas escolas continuam optando pelo tradicional, que traz a garantia de bons resultados – para os melhores alunos.
São aquelas que em geral trabalham com alunos que conseguem desempenho excelente em testes e são treinados para isso. Mas alguns questionamentos se fazem necessários: a educação visa apenas ao bom aluno? O que a sociedade demanda são profi ssionais que conseguem ir bem em testes ou pessoas criativas, inovadoras, empreendedoras?
A neurociência traz boas notícias para a educação, mas tira a escola e os educadores da zona de conforto. É necessário redesenhar o currículo, trabalhar de forma diferente os conteúdos, ver quais são essenciais, mudar a disposição das carteiras, mudar os ambientes da escola, mudar a forma de avaliação.
Muito trabalho em muito pouco tempo. Os pedagogos estão sendo chamados a entender como o cérebro de seus alunos funciona e a revisitar seus teóricos para escrever a escola dos próximos anos.
LEITURAS SUGERIDAS
Por que os alunos não gostam da escola? Daniel Willingham. Artmed, 2011.
O cérebro que aprende. Uta Frith e Sarah-Jayne Blakemor. Gradiva, 2009. A universidade das crianças.
Janben Ulrich e Ulla Steuernagel. Planeta, 2008.
Memória – Como ensinar para o aluno lembrar. Marilee Sprenger. Artmed, 2008.
Escola da Ponte – Formação e transformação da educação. José Pacheco. Vozes, 2008.
Ensinar para a compreensão – A pesquisa na prática. Martha Stone Wiske. Artmed, 2007. Práticas pedagógicas compatíveis com o cérebro. Laura Erlauder. Edições Asa, 2005.
A AUTORA
Kátia A. Kühn Chedid é educadora, psicopedagoga, coordenadora pedagógica e
orientadora educacional.
REVISTA NEUROEDEUCAÇÃO/LINK: